Por Nicole Lima
E aí, como vai? A depender do humor ou da enxaqueca, a resposta a essa pergunta tão banal pode variar muito. Mas talvez a resposta também tenha uma relação genética ou astral com o caráter do indivíduo: uma pessoa otimista diria que a situação está difícil, mas deve melhorar. Já os pessimistas arriscariam dizer que “as coisas ainda vão piorar muito antes de piorar”. A frase é da atriz Lily Tomlin, ativista e, portanto, pessimista.
Paulo Francis disse certa vez que todo otimista era, na verdade, um pessimista muito mal informado. Mas com tanta informação disponível, em meio a tantas notícias catastróficas nos bombardeando logo cedo no café da manhã, fica cada vez mais fácil concordar com o dramaturgo Karl Kraus, um dos pessimistas mais ranzinzas da história da humanidade, que dizia que “o diabo é um otimista, se acha que pode tornar as pessoas piores do que já são”.
À medida que o mundo ao nosso redor se altera em velocidades alarmantes, atividades antes corriqueiras se tornam tão complexas que até mesmo o simples gesto de contrair de modo súbito os músculos faciais em reação espontânea de alegria tem sido um evento raro, ou mesmo malvisto. Será que ainda é permitido ser feliz?
E nem adianta tentar afogar as mágoas, como nos alertava o célebre cenógrafo de cinema e teatro argentino, Patrício Bisso: “Elas aprenderam a nadar.” Mas se rir ainda é o melhor remédio, se é mesmo verdade que “é melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe”, diante de tantas adversidades, de onde extrair o bom humor?
Seguindo um pouco no compasso da desilusão, o nosso amado poetinha Vinícius de Moraes também defendia, na mesma canção, que “pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não”. E se um músico consegue extrair beleza das águas turvas do fundo do poço, um humorista pode emergir das entranhas mais obscuras da ranzinzice. Afinal, no peito de um rabugento sarcástico também bate um coração.
Certa vez, um dos integrantes do Casseta e Planeta, Marcelo Madureira, conhecido pelo humor extremamente ácido, confessou em uma entrevista que o segredo do seu humor residia justamente no fato de ele ser extremamente mal-humorado e crítico. Essa premissa pode ser comprovada pelo fato de nenhum homem público jamais ter escapado aos humoristas. Basta ter ou pensar que se tem algum tipo de poder para que o espírito nacional da gozação criativa se manifeste. O humor, assim como o pop, não poupa ninguém.
Chico Anysio, talvez o maior humorista que o Brasil já conheceu, costumava dizer que “o humor serve para muitas coisas, inclusive para fazer rir”. Mas assim como nem todas as vítimas do sarcasmo têm senso de humor suficiente para rir de si mesmas, é preciso lembrar que muitas piadas vêm envelhecendo mal. Boa parte do humor produzido no século passado perdeu a graça porque não sobreviveu às mudanças de paradigma no pensamento contemporâneo. O racismo, a gordofobia, o machismo, a homofobia, a perseguição religiosa e a xenofobia são apenas alguns exemplos de assuntos que vêm sendo progressivamente eliminados da agenda dos humoristas, ainda bem!
Mas, a despeito do que dizem por aí, ainda há muito do que se rir no seio da desgraça humana. O anti-humor, o curto e grosso, a crítica, a sátira e a ironia ainda nos divertem abundantemente. Ruy Castro, por exemplo, compilou em um livro mais de 2 mil frases mal-humoradas, afiadas e ácidas. Longe de grosserias e insultos, o que faz com que esses mal-humorados sejam engraçados até hoje é a extrema inteligência, a precisão de falar o que muitos de nós já desejamos dizer, mas, por falta de oportunidade, coragem ou sagacidade, nunca dissemos.
O que faz com que esses mal-humorados sejam engraçados é a extrema inteligência, a precisão ao falar o que muitos de nós já desejamos dizer, mas, por falta de oportunidade, coragem ou sagacidade, nunca dissemos
As relações humanas, sobretudo as conjugais, ainda são combustível sempre renovável para o (mau) humor.
Certamente, o amor romântico e suas subsequentes desilusões associadas já produziram e ainda produzem ótimas tiradas, afinal, o amor ainda é, como bem disse o escritor Somerset Maugham, “o que acontece entre dois sujeitos que não se conhecem muito bem.” Ou, para o criador do Dicionário do Diabo e do Glossário dos cínicos, Ambrose Bierce, “o amor é uma insanidade passageira, curável pelo casamento”. E, se os pombinhos fossem reincidentes no crime de dividir os lençóis e juntar as escovas de dentes, o poeta Samuel Johnson os presentearia com uma pérola: “o segundo casamento é o triunfo da esperança sobre a experiência”.
Mas engana-se quem pensa que apenas os homens destilavam seu cinismo sobre o amor romântico. Como esquecer a mais franca das estrelas de Hollywood, Mae West, quando disse: “Quando eu sou boa, sou ótima, mas quando sou má, sou muito melhor”. Outra musa do cinema, Shelley Winters, era profética: “Todos os casamentos são felizes, tentar viver juntos depois é que causa problemas”. Já a escritora Maria Corelli, cansada de ser questionada repetidas vezes por que nunca se casou, respondeu: “Nunca me casei porque nunca precisei. Tenho três bichinhos em casa que, juntos, perfazem o marido: um cachorro que rosna de manhã, um papagaio que fala palavrões o dia todo e um gato que volta de madrugada para casa”. E, para colocar a cereja no bolo de três andares dos aspirantes ao “felizes para sempre”, Liza Minnelli, desculpando-se com sua mãe, Judy Garland, por não poder comparecer a um dos seus cinco casamentos, disse: “Desculpe, mamãe. Irei ao próximo”.
Reza a lenda que ainda são as incompatibilidades idiossincráticas esmagadas pela rotina as responsáveis pela implosão do romantismo em todos os gêneros. Colocar o rolo de papel higiênico do lado errado, apertar demais o tubo do dentifrício ou esquecer a toalha molhada ainda são consideradas ofensas gravíssimas. Enquanto o escritor inglês P.G. Wodehouse descrevia os casamentos como “uma união entre um homem que não consegue dormir com a janela fechada e uma mulher que não consegue dormir com a janela aberta”, o músico Henry Youngman defendia que o segredo da sua longeva união era simples: “Jantamos fora duas noites por semana. Um belo jantar à luz de velas, com música suave, perfeita para dançar. Minha mulher vai às terças-feiras e eu às sextas”. Nesse aspecto, o famoso costureiro Clodovil, em sua eterna sabedoria, buscava se adiantar afirmando: “Quando vejo que vou me interessar por uma pessoa, já começo a imaginá-la palitando os dentes, enfiando o dedo no nariz e até coisas piores, que é para tirá-la logo da cabeça”.
Mas, como nem só de amor romântico vivem as relações humanas, há também muito do que reclamar (e gargalhar) da convivência entre pessoas em geral, afinal, como alegava Sartre, “o inferno são os outros!”. E, para os que temem queimar no inferno das más línguas, não se preocupem: “Pode ser um pecado pensar mal dos outros. Mas raramente será um engano”. Essa, ao menos, era a tese do jornalista H.L. Menken.
Seguindo nessa linha da alteridade infernal, Oscar Wilde nos alertava que deveríamos ser cautelosos e “escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência”, conselho que não parece ter sido seguido pelo já citado poetinha Vinícius de Moraes, pois ele, depois de se casar nove vezes e sair “levando apenas a escova de dentes”, concluiu que “o melhor amigo do homem é o whisky. O whisky é o cachorro engarrafado”.
Há ainda quem defenda que o inferno pode estar em nós mesmos. A iminência da velhice, a luta contra a balança ou a implacabilidade da lei da gravidade também oferecem muita munição aos que ousam rir de si mesmos, até mesmo diante do espelho, que, segundo Jean Cocteau, “deveria pensar duas vezes antes de refletir”.
E se o reflexo insistir em nos desobedecer, basta eleger uma boa dieta, coisa que Miguel Paiva alegava ser algo muito simples: “É só cortar açúcar, frituras, massas, molhos, bebidas alcoólicas, biscoitos e os pulsos”. Nesse quesito, a escritora Jane Wagner dizia ter “ganhado e perdido os mesmos cinco quilos tantas vezes que a celulite estava tendo déjà-vu”. Agora, se o problema são os efeitos inexoráveis da velhice, Coco Chanel alertava: “A natureza lhe deu o rosto que você tem aos 20 anos. Cabe a você merecer o que terá aos 50” — conselho que a atriz Phyllis Diller parecia seguir à risca, pois dizia: “Quando vou ao salão de beleza, entro sempre pela porta de emergência”.
Mas, enquanto alguns se debatem com a preservação das suas imagens e corpinhos ideais sarados, a sábia Neuzinha Brizola se valia de outra estratégia: “Quando me dá vontade de fazer ginástica, deito e espero passar”. Seja a vontade de fazer ginástica ou a vida em si, fato é que tudo passa. Afinal, como diria Wilson Mizner, “a vida é dura e os 100 primeiros anos são os piores”. E como dizem que a única cura para os cabelos grisalhos foi inventada pelos franceses, a melhor saída ainda é desviar da guilhotina e seguir a recomendação dada pelo grande Nelson Rodrigues aos jovens do mundo: “Envelheçam!”
Pensando bem, os pessimistas talvez tenham razão em buscar extrair o riso daquilo que para muitos seria só desgraça e aborrecimento. Do contrário, subtraindo aqueles pouquíssimos dias perfeitos, em que nem mesmo o tédio seria capaz de macular nossos sorrisos, no restante do tempo seríamos tragados pela tristeza e pelo enfado.
Para levar a vida com mais leveza, um bom conselho talvez seja esse, dado pelo nosso querido Luís Fernando Veríssimo: “Viva todos os dias como se fosse o último. Um dia você acerta”.