Tem graça, mãe?

Por Téta Barbosa

 

Meu filho foi passar o final de semana na casa da praia com meus pais. No segundo dia, mandei mensagem:

– E aí filho, tudo certo?

– Tudo. Estamos na praia

 – Mas já são duas da tarde. Tua avó levou água, pelo menos?

– Não, mas tem um cooler de cerveja. Ela disse que cerveja é feita de água.

Parece exagero eu me preocupar com um menino que, na época, já tinha 19 anos, mas minha mãe, ao contrário da de Paulo Gustavo, não é uma peça nem um filme, é uma piada.

Verdade seja dita sem pudores: toda mãe é uma piada.

Um dia fomos jovens aventureiras e de repente, contrariando a cadência das expectativas, nos flagramos dizendo “a gente compra na volta”. A vida, essa danada, nos dá uma rasteira e sorrateiramente nos transforma em “leva um casaco, pode esfriar”. A piada já seria essa, mas piora, porque seu filho responde: “Mãe, a gente mora em Recife, se esfriar vou precisar de cientistas para explicar o fenômeno, e não de um casaco”.

Ah, esses jovens com seus colágenos e certezas, rindo impunemente de mães soterradas por anos de análise e toalhas molhadas em cima da cama.

Não tenho provas, mas estou convicta de que todo mundo tem mãe.

Isso explica o riso fácil de piada de mãe; identificação. A gente ri daquilo com que se identifica, seja como filho ou como mãe. O humor é uma ferramenta crítica, é aquele jeitinho todo especial que filhos têm de falar mal da mãe, sabendo que, se alguém rir, o objeto da gozação, neste caso a mãe, nem vai ficar chateada. Se tudo der certo e a piada for boa, claro.

Fazer graça é a forma polida e discreta que aponta o abismo emocional entre gerações. “O humor é a brincadeira do adulto”, dizia Freud, e esse jogo de palavras irônicas, que muitas vezes se revela só no olhar e na cumplicidade entre irmãos, pode fortalecer os vínculos emocionais. Só quem lhe conhece muito bem consegue enxergar suas fragilidades e rir delas. Com amor, de preferência.

O lugar do riso é o do conhecimento. A gente ri do que nos é cotidiano, do que nos deixa confortável. E tem alguém com quem a gente se sente mais confortável do que nossa mãe? 

Mães não deviam parir em salas de cirurgias nas maternidades, os partos deveriam ser feitos no divã do analista. Assim que nasce uma mãe, nascem as noias, as culpas, os erros e os acertos.

E assim seguimos, carregando nossos 50 tons de aflição, preocupadas com o tempo de vídeo- -game, com as notas do boletim e com o descongelamento das calotas polares, porém protegidas pelo manto invisível da felicidade que nos faz comer Mc Lanche Feliz só pra completar a coleção de Angry Birds.

Se filhos levassem mães a sério, a pandemia da Covid-19, por exemplo, nunca teria atingido o mundo. “Lava as mãos antes de comer, menino”; “tira essa mão suja da boca que tem micróbio”, e pronto, não teria vírus nem bactéria que resistisse a um bom conselho de mãe. Tanta reunião de Zoom teria sido evitada, né, gente?!

Na época em que meu filho era pequeno, criei a festa na barriga para fazer ele comer. Cada garfada levava um convidado. Me achando esperta, os primeiros montes de comida conduziam os amigos da escola, os colegas do prédio, os parceiros do futebol. Quando Victor ficou cheio e disse “não aguento mais”, dei a cartada final, meu trunfo de criatividade:

– Mas esta garfada é a que leva mamãe. Você não vai me deixar fora da festa, né, filho?

Ele, sem nenhuma cerimônia, respondeu:

– Mas mãe, você já organizou a festa toda. Melhor ficar em casa descansando.

Xeque-mate; engoli o choro, o riso e pulei para a sobremesa. Ele merecia! E nós, mães, merecemos descanso, nem que seja um descanso imaginário criado para ludibriar o “só levanta dessa cadeira quando comer tudo”.

Quando jovem, eu ria da minha mãe se ela confundia um pen drive com um cortador de unha. Ela, sem se abalar, dizia:

– Te encontro na esquina.

Agora, vago por essa esquina, por onde eventualmente todas as mães passam, cheias de amor, contradições, doidices e cuidados. A esquina chamada vida, onde vivemos esse experimento pedagógico social que é amar alguém incondicionalmente.

Pode rir, filho, eu nem ligo. Estou ocupada demais cuidando de você, porque “você não é todo mundo”!

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