Butão, o país da felicidade

Por Olívia Mindêlo

 

Imagine o país mais isolado do mundo, cravado por uma cadeia de montanhas sagradas, estonteantes, cuja moldura é uma natureza praticamente intacta. Imagine que aí os seres vivos e sencientes são todos dignos de respeito e valor, dos humanos aos animais, incluindo

árvores, plantas, flores campestres ou cogumelos de propriedade curativa tão raros quanto selvagens. Imagine um país cuja maioria budista tem oficialmente como parte de sua política nacional o bem-estar e a alegria da população. Onde a ideia de ser feliz não está apartada da coletividade, muito menos do meio ambiente. Todos têm direito a uma vida plena, e assim é. Nesse país, as florestas estão 70% preservadas e as águas, limpas e bem-cuidadas. Imagine

que, nesse território, não há cidade com mais de 100 mil habitantes nem semáforos, trânsito, sem-teto, fome, onde a emissão de carbono é a única negativa do mundo. Paraíso? Utopia?

Não, esse país existe. Chama-se Reino do Butão ou, simplesmente, Butão (em sua língua, Druk-yul).

Situado na região do Himalaia, entre os gigantes China e Índia, como uma porção pequena, porém valiosa, de terra, o Butão vem se destacando, desde a década de 1970, como um lugar de esperança, de novos paradigmas no planeta. Tem pouco menos da área do estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, no Brasil, e cerca de 750 mil habitantes. É esse o verdadeiro país do futuro? É possível.

No idioma local, Butão significa “Terra do Dragão”, mas é uma nação cada vez mais conhecida como “Terra da Felicidade”. E precisamos disso.

Antes mesmo do pouso no Aeroporto Internacional de Paro, sente-se que esse não é um lugar comum na Terra. Nesta cadeia de montanhas, segundo a cultura local, quando o vento sopra, a paz, a compaixão e a sabedoria se espalham por toda a região. Ao saltar da aeronave, a sensação se intensifica. A começar pela arquitetura do próprio aeroporto, uma construção fora dos padrões modernos, tomada pelas tradicionais pinturas budistas coloridas em reverência à história e aos ensinamentos de Buda – estão aí, inclusive, elementos auspiciosos, como a flor de lótus, replicada em adorno e celebração do chão ao teto.

Os visitantes geralmente são recebidos pelo guia, na saída do aeroporto, com um pano branco de boas-vindas no pescoço, também sinal de civilidade e identificação.

Tomada pela atmosfera da região montanhosa, a energia é de um país em suspensão, cujos cidadãos e cidadãs meditam e preservam o silêncio, a limpeza e a boa convivência social como valores culturais, mesmo na capital Thimphu (ou Timbu). A cidade, que teve sua urbanização apenas a partir da década de 1960, é uma ode à tranquilidade, com seus prédios baixos, bandeirolas coloridas, moradores com trajes típicos.

Para entendê-la melhor, nada como passear pelo Museu da Herança Folclórica, instalado em uma construção do  século XIX, que dá uma visão sobre o antigo estilo de vida na região; pelo National Institute for Zorig Chusum – a escola das artes tradicionais; e pelo Memorial Chorten, um monumento à paz mundial.

Além de Thimphu, as cidades de Paro e Punakha são lugares fundamentais a serem explorados.

Outra grande experiência de imersão na cultura e na religião é participar de um dos festivais que acontecem no país. São geralmente três a quatro dias de festividades (o de Paru dura cinco), em datas que variam de ano a ano por serem guiadas pelo calendário lunar.

Cores, danças, máscaras de representações animais, cerimônias com fogo, músicas e preces a divindades são cheias de significados e origens envoltas em certos mistérios sagrados e profanos – muito pouco da história escrita do Butão pré-século XVII existe nos dias de hoje.

Felicidade interna bruta (FIB)

O motivo de o Butão ser um país incomum no mundo, contudo, tem uma razão de ser que vai além da sua cultura e sua paisagem natural. Tem a ver também com a sua política. Do lado de cá do globo, no Ocidente, quem já ouviu falar do Butão – se já ouviu – provavelmente ouviu falar também de Felicidade Interna Bruta (FIB) e Ministério da Felicidade como associados a esse pequeno país. Um país que tem instituída uma monarquia constitucional há menos de uma década e que começou a mudar o seu paradigma de desenvolvimento nos anos 1970.

Felicidade Interna Bruta, ou Felicidade Nacional Bruta, é um índice formalizado em 1979, pelo rei do país à época, Jigme Singye Wangchuck – em 2006, ele cedeu seu trono ao filho Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, que conduz o reinado desde então. O índice FIB, como já podemos desconfiar, é um contraponto, mas na prática um complemento, ao Produto Interno Bruto, o famoso PIB, índice que mede o crescimento econômico de boa parte das nações do mundo, mas não inclui o bem-estar da população, só a soma da produção de bens geradores de riqueza capitalista.

No Butão, o PIB não pode ser mais importante que o FIB, pois é preciso entender que a natureza e seus ecossistemas têm limites e todos os seres – como nós – merecem decência, respeito e satisfação. Mesmo havendo pobreza, pois a felicidade também tem a ver com espiritualidade e simplicidade: trabalhar a mente e ajudar o outro. Isso pode ser lido como meditar, pintar a casa da família, agradecer, plantar, comer bem ou pensar nos conceitos de morte e impermanência – e como nós temos de cuidar da dádiva maior: a vida.

Nesse pequeno e expressivo país, o índice de felicidade a ser medido inclui quatro grandes diretrizes, que não são pautadas pela quantidade de dinheiro ou bens acumulados, mas pelas necessidades básicas da vida, como comida, moradia, saúde e manutenção das tradições culturais, por exemplo. São elas: economia sustentável, preservação da cultura, conservação do meio ambiente e boa governança. Ou seja, o bem-estar deve ser um bem comum na nação.

Em 2015, o governo realizou uma extensa pesquisa no país. Segundo os resultados apontados pelo “censo da felicidade”, 91% da população se consideram felizes e 43%, profundamente felizes. Os números de felicidade do país ecoam também em questões interessantes do ponto de vista macro, até mesmo global: o Butão caminha para ter uma agricultura 100% orgânica, além de já ser, como sabemos, o único país do mundo com emissão negativa de carbono e onde a produção e venda de tabaco é proibida. Um processo de transição que é política pública e tem como meta a qualidade de vida geral.

Consenso sobre o turismo

A solução do Butão para o paradoxo do turismo – equilibrando a abertura para o mundo e o impacto destrutivo geral sobre a terra, as tradições e a cultura – foi uma decisão da população junto ao governo. A ideia é que mais valem cem turistas abastados, com consumo médio, do que mil mochileiros em albergues baratos, alterando a vida local e o ecossistema.

Foi consenso que não houvesse mais turismo nas montanhas do país, consideradas sagradas. Uma das exceções é a que abriga o famoso Monastério Ninho do Tigre (ou da Tigresa), cuja visita é parada obrigatória de estrangeiros e peregrinos que podem acessar o santuário cravado na pedra íngreme, a quase 3.200 metros de altitude, a pé ou no lombo de mulas.

Para alcançar essa abordagem de turismo (menos é mais), é preciso pagar tudo com antecedência e estar de acordo com o pacote de viagem programado – ninguém fica à deriva por lá. O custo de viagem mínimo é bastante rigoroso de US$ 250 por pessoa por dia. Isso se aplica a grupos de três ou mais (há taxas separadas para viajantes individuais ou em pares), e eles também devem estar viajando com agências credenciadas, bem como se hospedar em hotéis de três estrelas ou mais.

Ser a “terra da felicidade” não quer dizer que todo butanês ou butanesa viva sorrindo, ou que a tristeza e os desafios da vida não existam. O Butão, como bom país budista que é, preza a disciplina e é conservador. Além disso, suas famílias vivem com simplicidade e lutam para sobreviver. Mas é um país que, como prega a filosofia de Buda, sabe aceitar e ultrapassar as dores, porque trabalha com elas em todas as dimensões.

Não é por acaso que o Estado considera a felicidade – alguns diriam “a verdadeira felicidade” – de seus habitantes tão relevante como toda a natureza que o circunda e talvez mais do que a produção de riquezas. Se há terra, moradia, saúde e educação ao alcance, então pode haver o mínimo de condições para se atingir um estado de iluminação e contentamento na vida.

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